quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Tudo azul da cor smurf


Filme: Os Smurfs
Nota: 9,0

Criados na década de 50, famosos no Brasil por estrearem uma série de desenhos animados nos anos 80, as criaturinhas azuis mais famosas do entretenimento fizeram sua estreia no cinema em grande estilo, em julho deste ano. Os Smurfs, criação do escritor e desenhista belga Peyo, arrebataram milhares de fãs no mundo todo com sua nova história, que mistura personagens animados e "humanos".
Eles são, basicamente, criaturas pequeninas e azuis, como duendes, meigas, e que vivem dentro de cogumelos no meio de uma floresta onde "se sentir azul é uma coisa boa" e "tudo no final vai ficar azul". No mundo deles, cada um tem o seu papel e suas obrigações. Eles são liderados por Papai Smurf, um sábio senhor de mais de 500 anos de idade que consegue prever o futuro e controla as outros 100 criaturinhas.

Destacam-se também o simpático Desastrado, que, como o nome diz, não consegue ficar sem fazer  confusão; o incrível Gênio, que mesmo com tanta inteligência não consegue acreditar em sua capacidade; temos ainda o habilidoso Arrojado, o engraçado Ranzinza e claro, a linda e doce Smurfete, a única mulher do grupo. Você conhece e diverte-se também com o smurf Narrador, o smurf Padeiro, o smurf Pintor e tantos outros.

Na contrapartida do lado bom da história, temos o vilão Gargamel e seu inseparável felino, que garantem os bons momentos. Some a isso um típico casal de Nova York, uma dona de empresa de cosméticos insuportável e ação... comedida, mas real. No meio de uma das trapalhadas de Desastrado, os seis Smurfs atravessam o portal mágico que os fazem cair em pleno Central Park. No ‘mundo real’, encontram o Patrick (Neil Patrick Harris) e Grace (Jayma Mays), que se torna amigo e imprescindível para conseguirem voltar ao seu mundo encantado.


O filme poderia ser classificado como infantil, mas é melhor não falarmos dele genericamente. Com conflitos "de gente grande", é uma história para a família toda. E é uma história encantadora, se vista com outros olhos. Fala sobre superação, crenças, encontros e desencontros, desejos e aceitação. Ok, pode parecer clichê, mas não é. Pelo menos não da forma como é apresentada.

Smurfete sonha em ter uma amiga com quem possa trocar confidências e em poder trocar de vestido. Desastrado é deixado de lado por ser diferente e atrapalhar os outros em suas buscas. Ranzinza não é tão ranzinza assim: tem um lado extremamente sensível e cuidadoso. Papai Smurf lembra aquele avô que todo mundo conhece, paciente e simpático. E Gargamel não é tão vilão assim...

Falando nele, destaque para o ator que o interpreta, Hank Azaria. Assim como os demais “humanos”, ele não é uma animação como os Smurfs. De carne e osso, ele parece mais um produto da computação gráfica, pois é perfeito em suas caras e bocas e consegue fazer com maestria o típico malvado que não dá pra ser levado a sério. Palmas também para as risadinhas que a computação gráfica conseguiu tirar do gato Cruel. 


Efeitos visuais são, com o perdão da repetição, sensacionais. Quem diria que criaturas tão pequeninas e fofas poderiam se incorporar ao agitado dia a dia da maior metrópole do mundo sem parecer artificial? O sucesso foi tão grande que um novo longa já está sendo produzido, e deve estrear em 2012. Talvez, para o próximo, vale acrescentar um pouco mais de "idade" ao filme. E não se espante se você sair do cinema com a canção smurf grudada em sua mente: "La la la la la, cante uma canção... la la la la la, smurf essa canção..."


É um filme pra se assistir despretensiosamente, pra se divertir e lembrar da boa época que foi nossa infância - por mais que tenha sido há tempos atrás, é uma nostalgia das boas. Tudo é tão mais fácil quando se acredita em seres mágicos, não?


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Deadline: a linha de morte do jornalismo



"Era isso mesmo o que eu esperava:
comprar um cemitério."
(Assis Chateaubriand, ao comprar e recuperar o jornal Estado de Minas)



Muito antes que as prensas comecem a rodar, o jornal começa a ser feito.  É um trabalho de equipe, intenso e coordenado. Como num jogo de passes, é preciso que cada jogador entregue ao companheiro o bastão da notícia. Notícia, esse objeto abstrato, que só aparentemente está expresso nas palavras. Na verdade, da notícia, enquanto mensagem, vale a compreensão, a representatividade do relato, o valor que previamente se dá a um determinado tipo de acontecimento, que deve ser importante ou interessante. 

Sem isso, nada de notícia. Importância ou interesse são essenciais.

Letras, palavras, fotos, ilustrações, tudo isso somente vale pelo que representa. E pelas consequências junto ao leitor. Vale pelo rumor social que pode causar. Em si, não têm essência nem consistência. O código é a expressão tosca do entendimento humano. E o jornal é a desesperada tentativa de captar o mundo, transformando em tinta impressa a pressa das pressões que o homem sofre todos os dias.

A notícia sobrepaira à página impressa, se espalha da mancha gráfica e se espraia no mundo. O jornal trabalha com um repertório de fatos que nada mais são que os padrões do mundo, as coisas que escolhemos como cotidianas. Mesmo que essa estranha cotidianidade jornalística sejam o inusitado, o grotesco, o excessivamente bom ou a maldade em sua mais requintada forma. De alguma forma, ao longo da História, a história da maldade se sobrepôs. O homem tem o dom do ruim.

A cotidianidade, rotineira e plana, é plena de um vazio e presivível viver. Assim, o jornalismo dedicou-se dar relevo àquilo que foge do comum. E, lamentavelmente, os atos de maldade superam em muito os comportamentos de caridade, solidariedade, humanidade e bem. E, ao trabalhar com tantos fatos, todos recheados de tensão, o jornalismo o faz sob pressão. É o que chamamos nas redações de deadline. Literalmente, "linha da morte", em português prazo fatal, hora-limite. Agora, se você tem uma profissão, digamos, convencional, cumpre expediente litúrgico, atende a uma pontualidade budista, sequer imagina o que é trabalhar numa redação, o que é ser jornalista. E se você gosta de ser assim, jamais seria jornalista. O jornalismo é a tranquilidade em disparada. Ou, como já se disse, jornalismo é a História escrita à queima-roupa.

A matéria-prima do jornal é o mundo e seu almanaque de acontecimentos, o tal repertório a que me referi há pouco. Cria-se assim, entre o jornal e o leitor, uma relação analógica: o leitor sabe que, numa determinada página, encontrará, sempre, um determinado tema - política, esporte, polícia, economia, por exemplo - mas jamais pode, ou pelo menos não deveria, prever qual assunto será tratado.

Explicando: sabe-se que em política a corrupção é quase norma executiva. Político é quase sinônimo de ladrão, pelo menos no Brasil. Assim, a novidade jornalística é: qual será a nova corrupção a ser exposta? Ou, separando cada coisa: o tema é política&corrupção, esses dois irmãos siameses. Já o assunto é a novidade sobre o mais recente corrupto flagrado.

Mas o que quero falar mesmo é a respeito da questão tempo, em função do deadline e seu equivalente literal em português, "linha da morte". Em jornal, adquirimos uma vivência muito especial a respeito da questão tempo. Tempo não apenas enquanto aquele imperceptível passar de horas para o trabalhador de expediente litúrgico, mas para o jornalista, o trabalhador do tempo fragmentado, angustiado.

Para nós, a convivência com o tempo é como conviver com o silêncio, ou com um lago calmo e profundo. Aparentemente, nada está acontecendo, mas, por trás do biombo da calma, o mundo está em ebulição. O grande problema é que os grandes acontecimentos têm algo de secreto, algo de sagrado.  Os criminosos da política, por exemplo, disfarçam seu fervor pelo dinheiro e pelo poder em conciliábulos - perdão pela palavra - e confrarias que ocorrem às ocultas. Há um certo recato no roubar político.

Compete ao jornalista descobrir esses segredos, tão bem guardados como os grandes venenos, aqueles que se ocultam nos menores frascos. E, o mais triste, é que um grande veneno é uma grande arte. Administrá-lo é uma forma de ciência; há um certo saber, no trabalho dos corruptos. Tanto, que neles demoram a ser descobertos. Suas doses são homeopáticas.

O ladrão dos dinheiros públicos tem a perícia de um cirurgião ou a técnica de um pintor do renascimento, ao retocar com suavidade uma nesga de tinta. E, o que é pior, dessa cicuta, o veneno de buscar sempre o novo, algo que também nos contamina, os jornalistas bebem todos os dias. De algum modo nós, os jornalistas, morremos todos os dias com o grande veneno do deadline. Mas renascemos, dia seguinte, com uma nova manchete.

Texto do blog Coisas de Jornal

sábado, 13 de agosto de 2011

Sugestões para atravessar...


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Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; Fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro - e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.

É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente "ah!", escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios , premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará.

Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica.

Mas pobres ou ricos, há conselhos -ou precauções- úteis a todos. O mais difícil:evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade... Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.

Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu - sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.

Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se , e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína. Se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas - coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.

Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final. Sinto muito, perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco: .

(Crônica de Caio Fernando Abreu,
publicada em agosto de 1995
no jornal O Estado de São Paulo)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Someone Like You

Quem tem medo das curvas?

Ninguém nos ensina a lidar com a vida. Parece piegas, mas é verdade. Quando somos crianças, na ânsia de acertar e se mostrar melhor do que pensam que podemos ser, nos jogamos de cabeça em todas as situações e momentos do dia a dia e não medimos consequências. Nossos pais nos apoiam, veem nossas falhas como tropeços de alguém que está apenas trilhando seu caminho, descobrindo. Você nunca vai saber se você não tentar, não é?

A questão é que isso nunca muda. Não vamos centralizar a nossa infância, mas o fato é que crescemos acreditando em coisas semelhantes, desejando coisas semelhantes e não investimos na mudança. Não estou generalizando, caros 3 ou 4 leitores fiéis, é apenas uma questão de consentimento. 

Por partes. Imagine as situações.

Hipótese 1: eu não quero constituir família, porque meu amigo de escola disse que a dele é uma bagunça. A minha não é, mas se a dele é, pode ser que no futuro a que eu constituir também seja. E agora?
Hipótese 2: eu não quero ser médico; meu pai diz que ser médico é o melhor pra mim, minha mãe sonha em me ver vestindo um jaleco. Ah, mas me disseram por aí que tem que estudar constantemente, então eu não sei se quero isso pra mim. E agora?
Hipótese 3: eu quero viver a vida escrevendo história. Minha mãe acha que é loucura, meu pai diz que eu tenho que fazer outra coisa também. Ah, mas minha professora disse que eu tenho talento e meu vizinho falou que o pai dele edita livros. E agora?

Percebe, caro leitor? São situações triviais, que citamos como hipotéticas, mas que podem acontecer com qualquer um. A forma como se encara os fatos é que torna tudo diferente. Não estou pregando o "tresloucamento", mas o livre direito de pensar como você quiser. Opiniões são sempre bem vindas, claro. Dicas, conselhos e informações são preciosidades. Mas não podem ser tornar diretriz.

Ora, se você não quer ser médico, não o seja! Vai ser mochileiro, então. Viaja por aí, descobre outras coisas geniais, volta para a sua casa, escreve um livro, case-se, tenha filhos, um deles será médico e... pronto. A gente tem a irritante mania de querer complicar tudo, quando é tão mais fácil descomplicar. Ser livre não significa não ter parâmetros, mas seguir o instinto e o desejo interior. Fácil. As vezes.

Não importa o quão complicada as coisas pareçam, sempre dá-se um jeito. E é você quem tem que decidir. O bom humor de hoje, que se torna o mau humor amanhã e a bipolaridade de depois de amanhã só faz com que você aprenda a lidar com as subidas e decidas da montanha-russa que é nossa vida. O dia a dia é complicado, e como eu disse lá no início, ninguém nos ensina. A gente tem que aprender sozinho.

Quebrando a cara, acertando, errando. Aquela coisa tradicional, caindo e levantando. É difícil as vezes, eu bem sei. Mas, caro leitor, não é impossível. Desculpa se meu texto saiu de nenhum lugar e foi pra lugar nenhum. Só queria escrever.

Volta sempre. E isso serve pra você também, dona inspiração!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma carta para Sandy

Reproduzo hoje um texto sen-sa-ci-o-nal do jornalista Zeca Camargo, publicado em seu blog pessoal. O post fala sobre as polêmicas da cantora Sandy e sua entrevista para a revista Playboy. Vale a pena a leitura! 

Sandy, muito prazer

Eu já te entrevistei um bom par de vezes, Sandy. Já assisti a alguns de seus show – em especial aquele de “despedida” da parceria com seu irmão. Já li muitas entrevistas suas – e já te vi em incontáveis programas de televisão – inclusive no que eu trabalho, em outras reportagens que não assinei. Assim como milhares (milhões!) de fãs, eu achava que te conhecia bem – talvez com uma pequena vantagem com relação a esses outros admiradores, pelo fato de eu ter chegado um pouco mais perto de você, quase sempre em ocasiões profissionais. Mas só agora, depois que li a entrevista que você deu à revista “Playboy”, eu posso dizer que conheci uma Sandy diferente – talvez mais próxima do que é a Sandy “de verdade”. Talvez mesmo até uma Sandy mais “estudada” para provocar o público de uma revista masculina (nunca se sabe…) – mas, sem sombra de dúvida, uma Sandy mais honesta. E isso, nesse mundo deliciosamente maluco do “showbizz” é o que realmente interessa.

Sei que entro no assunto dessa sua entrevista com certo atraso – mas sei também que você vai compreender meus motivos. Teria sido fácil eu comentar em cima da divulgação da sua entrevista – um processo normal, quando se trabalha com mídia, de lançar algumas “aspas” (entre aspas mesmo, como a gente costuma dizer no jargão jornalístico), para criar um boca a boca a boca de algo que ainda não foi lançado.  Mas seria mais um comentário vazio, e certamente fora do contexto – tão estridente quanto todos os que vimos circular alguns dias atrás nesse meio que já tem uma queda para a histeria… Então preferi esperar que a revista chegasse às bancas, que eu pudesse ler com calma tudo que você falou – e aí sim, tirar minhas conclusões. E minha primeira reação, sem medo de me repetir, é essa: muito prazer, Sandy.


A essa altura, dois parágrafos depois (uma “distância” que a maioria dos cínicos de plantão na internet não costumam alcançar), creio já ter espantado os oportunistas que estavam só esperando para ler o que eu iria escrever para alfinetar não só suas repostas mais ousadas à “Playboy”, mas minhas própria palavras escritas especialmente para você. Assim, a essa altura, sinto-me à vontade para cumprimentá-la pela coragem e maturidade que você demonstrou ao longo da conversa. Mais do que sua opinião sobre práticas sexuais (já falo disso mais adiantes – tenho que afugentar mais alguns curiosos desavisados que improvável e teimosamente talvez tenham acompanhado o texto até aqui!), o que eu queria destacar é a sua transparência e, sobretudo, sua capacidade de surpreender não só seus fãs, mas também os marmanjos que tinham aquela fantasia sobre sua figura.

Fantasia essa que, como você colocou muito bem, era a da “virgem do Brasil”. Para eles (e elas também, certo meninas?), o ideal seria que você continuasse a cultivar essa imagem para sempre. Claro! Essa era a fantasia erótica perfeita para boa parte desse público. Mas ao contrário deles – que, mesmo sem admitir, adorariam viver numa eterna adolescência – você cresceu. Casou, transou, gostou (ainda que, como você deixa no ar na entrevista, de maneira bem-humorada, não necessariamente nessa ordem…). E agora se sentiu à vontade para falar sobre tudo isso. Esse desmanche da fantasia, creio, é o que causou tanta sensação com relação às suas declarações – e que, secretamente, arrasou o coração de milhares de admiradores com a própria vida sexual claudicante por todo o Brasil. Você acha que alguém que tinha você em alta conta nas suas fantasias eróticas gostou de ler você dizendo: “Se meu marido me acha gostosa, então pra mim já basta”?

Esse é, claro, apenas um exemplo da franqueza com que você encarou as perguntas – e que eu, como jornalista, tiro meu chapéu (para os dois lados, entrevistada e entrevistadoras – a editora Adriana Negreiros e a repórter Camila Gomes). Naquelas linhas, encontrei uma Sandy que, mesmo tendo sido pego de surpresa, eu talvez já esperava que existisse – afinal, você já é uma mulher, de 28 anos, num casamento feliz! Aliás, como você também coloca, a essa altura você é “uma pessoa bem resolvida, casada, tudo certo”! Ninguém vai admitir isso, mas o que deixou parte dos seus admiradores chocados foi isso – e não a sua opinião sobre prazer e sexo anal.

Acho que quatro mil toques depois (sem duplo sentido, por favor – como diria o “venerado” repórter Agamenon Mendes Pereira!), já podemos falar sobre isso – sem medo de estarmos sendo lido por alguém que só quer se aproveitar disso para fazer uma piada sem graça e gratuita (com você e/ou comigo), que não seria nada além do reflexo do próprio desejo reprimido de quem se manifesta. Mas eu divago… Vamos voltar para a entrevista!

Suas aspas “polêmicas” (sim, agora as aspas estão em outra palavra – e você sabe porquê) trazem a seguinte declaração, feita depois da colocação “Dizem que mulheres não gostam de sexo anal. Você concorda com isso?” (o fato de a pergunta ter sido feita por uma mulher mas colocada na “terceira pessoa anônima”, o tal “dizem”, cria um pequeno ruído na conversa, mas vamos deixar barato…): “Então… Não tem como responder isso sem entrar numa questão pessoal. Mas falando de uma forma geral, eu acho que é possível ter prazer anal sim, porque é fisiológico. Não é todo mundo, Deve ser uma minoria que gosta”.

Pronto! Foi o que bastou para que todo um levante de falsos defensores do pudor se manifestasse. Não faltaram os que se mostraram horrorizados – horrorizados! – com a possibilidade de que você, a Sandy dos sonhos deles, mostrasse que tinha uma opinião sobre um assunto que eles mesmos não têm coragem de discutir na sua intimidade, nem mesmo “dentro de casa” (a não ser que muito bêbados, numa noite em que finalmente eles resolvessem convencer suas esposas de tentar algo diferente…).

Percebe a ironia, Sandy? Esse time de pseudo defensores da moralidade viu na sua declaração uma oportunidade “mágica” de poder falar daquilo que não ousam – mas desejam… (ou, pelo menos fantasiam!). O tabu – que, ao que parece, você cutucou – não estava dentro da sua cabeça, mas justamente na daqueles que fizeram questão de se mostrar escandalizados – escandalizados! – com sua “ousadia”. Que é, diga-se, a de discutir – e, como ficou claro na edição da entrevista, de um ponto de vista genérico, e não pessoal – um assunto que eles fingem não existir.

Como ilustração, conto aqui um episódio que eu mesmo vivi recentemente – e que tem a ver com a sua entrevista. Numa conversa entre amigos (alguns deles jornalistas), acabamos caindo nessa sua declaração – que havia “explodido” na internet, e que, justamente por esbarrar num tema “delicado”, mostrava-se virtualmente impossível de repercutir. Que outro veículo, que não a própria “Playboy”, teria espaço para tratar do assunto – que tornou-se, sem dúvida, popular, de uma maneira que não fosse vulgar? Nem preciso dizer o quanto a discussão foi ficando cada vez mais “quente”, até que a certa altura, eu já um pouco irritado com o nível crescente da hipocrisia sugeri: “Por que não começam a repercutir o assunto em casa, para ver a reação das suas esposas e maridos – e aí sim ver uma maneira interessante de desenvolver uma matéria?”.

O assunto acabou ali mesmo.

Percebe o que você fez, Sandy? Chacoalhou a intimidade de um monte de casais – e mesmo de solteiros com mentes “criativas” –, simplesmente porque deu uma opinião (genérica, e não pessoal – é bom sempre reforçar) sobre um assunto que mesmo gente que se diz tão liberada, tão “moderna”, tão “cabeça aberta”, não consegue discutir sem melindres. Foi divertido ver o desenrolar desse quiproquó nesses últimos dias – uma “bola de neve” que, como tudo que é “polêmica” que surge na internet, passou mais rápido do que o calendário conseguiu acompanhar…

Mas o que fica disso, pelo menos para mim, é a imagem de uma artista ainda mais legal – que é você. É realmente delicioso ver que você cresceu, e essa parte dos seus fãs não… É um pouco como se você agora estivesse dando o troco – depois de anos de deixarem explorar sua imagem (um processo que tinha, pelo menos em parte, a sua cumplicidade), parece que agora você é quem estivesse finalmente manipulando eles, como quem diz: “tolinhos… vocês acham que podem controlar o que eu penso…?”. Nada disso, eu entendi bem. Por isso, renovo minha confiança em você como uma pessoa bacana, Sandy.

E escrevo isso não pelas aspas do sexo anal, mas por tantas outras ao longo da entrevista, que me convenceram de que você – independente do rumo que sua carreira for tomar (cantora? atriz? mãe?) – está com as rédeas da sua vida na mão. Afinal, quantas pessoas, ao serem perguntadas sobre um outro assunto tão delicado como a traição no casamento, sem se apoiar na surrada muleta da religião, teria a lucidez de responder: “Homem gosta de sexo, gosta de variedade, gosta de experimentar. Só que, quando ele tem um autocontrole e um amor tão grande, isso dá força para se controlar e ele consegue ser fiel.”?

Vai que a vida é sua, Sandy. E se a gente se encontrar por aí numa outra entrevista – nunca se sabe – pode contar com o dobro de respeito e o dobro da admiração que eu já tinha por você!

Um beijo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Verdades sob a rocha

Filme: 127 horas
Nota: 10



A história real do famoso alpinista Aron Ralston, que tem que amputar seu braço para salvar a própria vida após ficar preso em uma caverna, é o norte do premiado, elogiado e louvável 127 horas, do diretor Danny Boyle. Preso contra a parede de um desfiladeiro isolado em Blue John Canyon, no Parque Nacional de Canyonlands, no estado Norte-Americano de Utah, Ralson é o herói de si mesmo. Sem ter comunicado o seu destino para ninguém, nos cinco dias seguintes ele tem que ganhar coragem para sobreviver com os meios disponíveis (pouca água, alguns equipamentos de escalada, uma lanterna de LED e um canivete praticamente cego). 

Entretanto, durante as horas que passa preso, o jovem vai ficando psicologicamente afetado, passando a ter lembranças de amigos e familiares e lembrando de coisas que teriam salvado sua vida - e não o levariam até aquele destino. Esquecer o canivete, a bebida isotônica e até mesmo não ter atendido sua mãe ao telefone no dia  anterior. Momentos e fatos que o levam ao seu destino. Em dado momento, ao exclamar que "essa pedra tem me esperado minha vida toda", o personagem, vivido com maestria por James Franco, expõe a fragilidade humana esboçada em um simples sorriso. 

127 horas é um desses filmes para se ter na estante. Ver, rever e assistir mais uma vez. Um filme repleto de lições, de ensinamentos essenciais para o ser humano. Valores, crenças, destino. Seja qual for o nome que você decidir dar à isso, essa roda incessante da vida que te põe em cheque, é preciso assistir aos 94 minutos do filme de Boyle com a mente aberta. Aberta porque você ser confrontado em muitos momentos com os seus medos, questionamentos e a preocupação com aquilo que você deveria ter feito mas não fez.


James Franco, conhecido por seu papel antagonista em Homem-Aranha, colheu os louros de seu trabalho nesse ano de forma especial. Visto como um dos mais promissores atores de sua geração de Hollywood, esteve a frente da cerimônia do Oscar 2011 (onde concorria a Melhor Ator pelo papel em questão), recebeu mais de 8 nominações internacionais, que resultaram em 3 prêmios, e viu seu salário dobrar. Paralelo a isso, novos convites a todo momento e os títulos de um dos homens mais influentes e mais sexys da América. É mole ou quer mais?

A história, que o mundo conheceu, é previsível. Você já sabe o que ele vai fazer ao final de tudo. Mas, mesmo assim, o filme é memorável, surpreendente. Com uma fotografia excelente e recursos de imagem diferenciados, como detalhes, câmera em mão e um fluxo de consciência do personagem, o diretor prende a atenção de quem assiste sem que a ideia do que fazer lhe venha a mente tão cedo.

A cena da mutilação, que causou alguns desmaios nos cinemas mundo afora, é real e intensa. Verdadeira, sofrível. É impossível não sentir uma pontinha de dor ao ver Ralston se torcendo para quebrar os ossos do braço direito ou sentir-se enjoado ao vê-lo colocar o dedo na ferida para identificar o lugar exato que precisa cortar o músculo. É assim mesmo, de tirar o fôlego. A falta de água e comida e as intervenções do tempo fazem com que o espectador entenda, mesmo de longe, que o instinto e sua vontade de sobreviver farão de você um vencedor, independente de sua condição. Vale lembrar que o personagem documenta todos os momentos vividos com uma pequena câmera digital - sobreviver é também estar ligado, não?

Aclamado pela crítica, não tão premiado como deveria, 127 Horas é um filme sobre o poder da força interior de cada um. É justamente fazer pensar e incomodar que ele se propõe. E consegue... É no momento que os raios do sol invadem a caverna onde está preso e tocam seu pé que o alpinista expõe sua mais íntima faceta: querer ser visto e lembrado, sem deixar de lado o bom relacionamento e nem perder as referências.

É para sentir. Seja qual for o sentimento.