Li uma entrevista com o escritor e jornalista português Vasco Valente, onde ele afirma que passamos a vida tentando conter a tendênciar para a desordem. Se ficássemos passivos diante da vida, sem mexer um dedo para nada, um belo dia acordaríamos falidos, com a energia elétrica cortada e um monte de gente magoada a nossa volta. Conclui ele: "O que cada um de nós tenta fazer, cada um à sua maneira, é tentar conter o descalabro."
A visão dele é meio apocalíptica - desordem, descalabro! -, mas, relativizando o exagero, é bem assim mesmo: passamos a vida tentando organizar o caos. Trabalhamos para ter dinheiro, respeitamos as leis, usamos o telefone para manter laços com a família e procuramos amar uma única pessoa para sossegar as aflições do coração, sempre tão inquieto. E mesmo fazendo tudo certo, e mesmo correndo contra o relógio e contribuindo para o bem-estar geral, às vezes dá tudo errado. É quando surge alguém não sei de onde, percebe o nosso stress e dá aquele conselho-curinga que serve para todas as ocasiões: deixa rolar.
Sempre que eu deixei rolar, não aconteceu nada. Nada de positivo, nada de negativo. Nada. De vez em quando eu até deixo rolar, mas só para obter um breve momento de descanso em que parece que saí de férias da vida. É uma auto-hipnose: estou dormindo, não estou aqui, não estou vendo coisa alguma. Quando a desordem e o descalabro voltam a ameaçar, eu conto um, dois, três, estalo os dedos e a engrenagem volta a funcionar, de novo.
Deixar rolar é um conselho que não consigo seguir por mais de uma tarde. Tenho essa mania estúpida de querer participar de tudo o que me acontece. Se eu me dei bem, a responsabilidade é minha e se me dei mal, é minha também. Não entrego nada completamente a Deus. Não uso nem serviço de motoboy. Eu mesmo respondo aos e-mails, atendo os telefonemas, eu mesmo cobro, eu mesmo pago. Delego pouco, e apenas para gente em quem confio às cegas. Nunca pra esse tal de destino, que eu nem conheço.
Só entro em estado de passividade quando não depende mais de mim. E só deixo rolar aquilo que não me interessa mais. O problema? É que tudo, absolutamente tudo, me interessa!
(Texto modificado - Original de Martha Medeiros)
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