Ele não tem o carisma da mãe nem a personalidade do pai – e por isso mesmo pode ser o homem certo para reparar o prestígio da monarquia no século XXI.
O príncipe William apareceu para o mundo aos 15 anos, quando, ao lado do irmão Harry, então com 13, seguiu o caixão de sua mãe, a princesa Diana, no cortejo fúnebre que percorreu as ruas de Londres. O ano era 1997 e as cenas do adolescente entristecido, mostrando uma sobriedade precoce para os seus poucos anos, ajudaram a selar a imagem do príncipe como um rapaz maduro e equilibrado – e transformá-lo numa espécie de ídolo teen. Passados 14 anos, e com muitos cabelos a menos, a grande qualidade projetada por William é a personalidade calma, discreta e “pés no chão”. Do trabalho como piloto de busca e resgate da Força Aérea à escolha de uma noiva da plebe, ele é percebido como uma figura sensata e um exemplo positivo. Qualidades importantes em um futuro rei. Em sua redoma de vidro, sob o olhar atento da mídia e do povo, a família real luta para se adaptar às mudanças que acontecem dentro e fora dos muros do Palácio de Buckingham, sem romper com a tradição que justifica sua existência. O casamento de William, segundo na linha de sucessão da coroa, é um momento importante nesse esforço. Na Abadia de Westminster, foi desenhado o destino da Firma, como a família real Windsor é conhecida entre seus membros.
William tem nas mãos nada menos que a tarefa de garantir a continuidade da monarquia britânica. Para isso, precisa modernizar a instituição, considerada ultrapassada por muitos críticos. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, deve resgatar valores tradicionais como o casamento e a estabilidade familiar, após décadas de escândalos envolvendo membros da realeza. Não é uma tarefa fácil – viver como um homem normal, comportar-se permanentemente como símbolo de uma instituição e preservar, a despeito dos assédios da imprensa e da curiosidade pública, um espaço de privacidade que assegure sua sanidade e a de sua família. Espera-se que o casamento de William restaure o papel simbólico central da monarquia, de manter os valores de decência na vida pública e privada.
O primeiro grande golpe para a popularidade da Firma foi a separação de Charles e Diana, no início da década de 1990, com troca de acusações de infidelidade. Lady Di era adorada pela população britânica e sua morte em um acidente de carro em Paris, em 1997, representou um momento complicado para a monarquia. Em meio aos lamentos da nação pela Princesa do Povo – termo usado pelo então primeiro-ministro, Tony Blair –, a rainha foi acusada de lidar com a tragédia com frieza, desconectada do luto e da emoção que tomavam o país. Desconcertante também foi o divórcio do príncipe Andrew – tio de William – e Sarah Ferguson, a Duquesa de York. Fotos comprometedoras da ruiva com o dedão do pé na boca do herdeiro texano Steve Wyatt enquanto ainda era casada causaram enorme constrangimento para o Palácio. Mais recentemente, Andrew voltou a ser cercado por polêmica com acusações de fazer negócios com regimes déspotas em sua posição de representante comercial do governo britânico e de manter ligações com o bilionário Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais. O que spera-se , agora, é que os netos da rainha consertem os prejuízos que surgiram do comportamento dos filhos dela.
Ao escolher uma plebeia, vista pelo público como uma garota normal, madura e equilibrada, William parece estar na direção certa. Juntos, eles criarão uma monarquia moderna do século XXI, que estará mais próxima do povo britânico do que em épocas anteriores. Eles serão mais abertos e mais relaxados, ao mesmo tempo que reterão as tradições de seus antecessores. Se a tarefa de William é a restauração da austeridade, a de seu irmão parece o oposto. Harry manifesta excesso de rebeldia. O príncipe ruivo e festeiro já deu socos em paparazzi na porta de boates e admitiu ter fumado maconha aos 17 anos. Em 2005, causou enorme polêmica ao ser fotografado vestido de oficial nazista em uma festa à fantasia. Agora, aos 26 anos, tenta reverter essa imagem com o trabalho militar. As dez semanas que passou lutando na linha de frente no Afeganistão - no final de 2007 e início de 2008 – missão que foi abandonada por questões de segurança, depois que a mídia australiana vazou a notícia – e a mais recente expedição com veteranos feridos no Polo Norte geraram manchetes positivas.
Embora o primogênito de Charles e Diana não seja carismático – “William não tem nem o glamour de sua mãe nem a excentricidade de seu pai”, diz Neil Blain, autor do livro Media, monarchy and power –, uma pesquisa divulgada recentemente pelo jornal The Sunday Times revela que 59% da população deseja que a coroa, em vez de ficar com Charles, vá direto para William, depois de Elizabeth II. Um terço dos britânicos também gostaria que a rainha abdicasse do trono no prazo de dois anos. Esse resultado reflete o que vem sendo chamado de “efeito conto de fadas” a favor de William. Ainda que haja preferências divergentes em torno do melhor nome para suceder a Elizabeth, não parece haver dúvida na opinião pública britânica sobre a importância da própria monarquia. Uma pesquisa feita pela organização YouGov em novembro revelou que 68% dos britânicos preferem manter o monarca, enquanto 16% gostariam que o país se tornasse uma república. Parte desse resultado se explica pelo papel que reis e rainhas desempenharam na história e ainda ocupam no imaginário popular. É difícil imaginar a Grã-Bretanha sem a monarquia. Esse é um país que ama suas tradições.
Da imagem de Elizabeth II nas notas de libra à coroa que adorna cada chope servido em copo de pint (a medida de 568 mililitros do sistema imperial), a realeza está até nos pequenos detalhes do cotidiano. O monarca faz parte da identidade nacional, assim como a cerveja quase quente, a chuva e o costume de fazer filas. Ele é um fator de estabilidade. Como a Grã-Bretanha é uma monarquia constitucional, a rainha não tem papel executivo ou legislativo, apesar de ser a chefe de Estado. Cabe ao Parlamento eleito pelo voto popular fazer as leis e escolher o primeiro-ministro, que governa de fato. Elizabeth II faz questão de manter posturas neutras mesmo nas situações em que teria o direito de intervir. Essa neutralidade é vista como um ponto que favorece a continuidade da monarquia – opinião tanto de seus defensores quanto de quem gostaria de ver a nação livre dela.
Simbolismo e a neutralidade contam a favor, mas o custo da monarquia para o contribuinte é um dos argumentos usados pelos que pedem o fim da realeza. A família real custa cerca de 38 milhões de libras por ano (algo como R$ 98 milhões), segundo a contabilidade oficial do Palácio para o ano fiscal de 2009-2010. Isso corresponde a cerca de R$ 1,60 anual para cada habitante do país. Estima-se que o valor seria maior se forem considerados os custos envolvidos na segurança dos Windsors, que não são divulgados. Em tempos de crise econômica, repercutem mais forte as denúncias de que uma casta hereditária de britânicos vive em luxo, riqueza e ócio à custa da maioria trabalhadora e empreendedora do país – e é claro que as acusações atravessam as paredes de Buckingham. No ano passado, o Palácio anunciou contenções de gastos, com a redução do uso de voos fretados e cortes de pessoal. Luxos como o iate Britannia, usado na lua de mel dos pais e dos avós de William, não existem mais. A família real foi rápida em divulgar que o casamento de William e Kate está sendo pago pela fortuna pessoal da rainha e por Charles, com uma contribuição – estimada em seis dígitos – da família Middleton. Mas sairá do bolso do contribuinte o enorme esquema de segurança e policiamento, cujo valor, calculado em dezenas de milhões de libras, também não foi revelado.
Encerrados os festejos do casamento, é possível que William e Kate busquem escapar do interesse público – e não o contrário. Amigos dizem que o príncipe tem pressa em começar uma família. Por enquanto, ele e Kate continuarão vivendo na cidade de Anglesey, no País de Gales, onde está o trabalho militar de William. Mas a vida sossegada tem prazo de validade. William sabe que um dia, se a vida seguir seu curso natural, seu endereço será o Palácio de Buckingham – e que em suas mãos estará a continuidade de uma dinastia.Ainda há muita história para se contar...
(Texto original: Revista Época - Editado por JZ)