segunda-feira, 16 de julho de 2012

E que a sorte esteja sempre a seu favor

Filme: Jogos Vorazes
Nota: 10


Um mundo irreal, dividido em capital e distritos, onde anualmente jovens são selecionados para uma disputa aos olhos de todos. O prêmio final é nada menos que a vida. Essa é a trama de Jogos Vorazes, filme que estreou em primeiro lugar nas bilheterias do mundo todo na última semana de março. A nova sensação do público pode ser comparada ao fervor que lançamentos como Amanhecer - Parte 1, da saga Crepúsculo, e Alice no País das Maravilhas, adaptado de duas obras de Lewis Carroll, causaram em seus lançamentos. 

À primeira vista, o filme parece violento demais. Afinal, ter que matar o outro por sua sobrevivência resulta em violência gratuita, socos, facadas e blá blá blá. Mas é só aparência. De fato, há um quê de agressões, disparos de arco e flecha, ataques de vespas venenosas e lutas corpo a corpo. Contudo, o grande destaque do filme são as relações. 

Uma das novas promessas de Hollywood, a atriz Jennifer Lawrence mostra mais uma vez a que veio. Indicada ao Oscar 2010 por seu papel em Inverno da Alma, ela dá vida a Katniss Everdeen, uma jovem corajosa e determinada, muito apegada a irmã e decidida a fazer de tudo para protegê-la. Elas são moradoras do Distrito 12, o "último", praticamente esquecido pelos governantes. Levam uma vida precária, mas sustentam-se uma na outra. Como é tradição, cada um dos 12 distritos deve ceder anualmente um casal de jovens para venerar a história de seus antepassados na disputa dos Jogos Vorazes. Não é algo a se almejar, como o Big Brother ou o American Idol: a disputa é pela vida. A sorteada é a irmã de Katniss, mas não é nenhum spoiler contar que a heroína se oferece para ir à luta no lugar da irmã. E é aí que a história começa de verdade. 

Junto de Peeta Melark (vivido por Josh Hutcherson), Katniss entra em um processo de transição: precisa aprender a ser mais sociável, a mostrar seus sentimentos e a cuidar de si mesma. Precisa estar em sintonia com seu parceiro, mas não quer deixar para lá o amor do seu vilarejo. Para ajudá-los, dois mentores: o bêbado-não-tô-nem-aí Haymitch Abernathy, interpretado por Woody Harrelson, e o centrado Cinna, que ganha vida com o cantor Lenny Kravitz. É o segundo, inclusive, o grande responsável por transformar a bela jovem na aposta do público: faz dela a "garota em chamas". 



O desenrolar é envolvente. É impossível assistir e não se imaginar diante de uma situação parecida. Talvez seja esse o grande acerto do filme: fazer com que o público transforme a diversão em introspecção e autocrítica. O filme relata com maestria o "sistema": a roda da engrenagem que nos controla e nos direciona conforme os superiores querem. Nesse percurso, construímos amizades, buscamos ideais antigos e somos podados contra a nossa vontade. Um sistema sujo, que manipula a opinião pública. Os mais estudiosos das teorias sobre persuasão têm em mãos um prato cheio para análise. 

Impossível comparar o filme com as histórias do livro de Suzzane Collins, pois ainda não os li. O que se pode dizer é que Gary Ross acertou em cheio em um roteiro que combina agilidade, emoção e identificação. A fotografia também é primorosa: a versão em 3D é fantástica! 


De tudo ficam quatro lições: 
1. Não somos donos de nossas próprias vidas.
2. Travamos, diariamente, várias batalhas: ao sair na rua, no trabalho, nos estudos.
3. Nossas relações influenciam nossas oportunidades.
4. É sempre bom ter alguém em quem confiar... e para onde voltar.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Para ouvir e sentir: um show e uma conversa com Tiago Iorc

Texto escrito por mim para o blog De Hamlet a Teló


Aos primeiros acordes da faixa Umbilical, que dá nome a seu novo disco e a turnê, Tiago Iorc provou que a noite seria um deleite sonoro. Em quase duas horas de espetáculo, o público presente no Teatro São Carlos na última sexta-feira pode identificar os motivos que fizeram desse brasileiro um filho do mundo e expoente do novo pop internacional. Junte isso ao dedilhar impecável do violão, em perfeita simetria com o baterista Guto Teixeira e o baixista Leomaristi dos Santos. Às 21h, o trio subiu ao palco sob aplausos ainda tímidos. O cenário – composto apenas de uma caixa de madeira para a água, os instrumentos e uma iluminação especial – ajudou a criar o clima de intimidade. Público e artista estariam na mesma sintonia em instantes. A segunda música, Story of a Man (e de longe a minha favorita) quebrou o gelo e arrancou os primeiros gritos. Seguiram-se Just So You Know, Patron e Gave me a name, todas do mesmo disco.

Simpático, Tiago fez questão de agradecer ao final de cada canção e também de explicar um pouco sobre a criação de cada novo acorde e melodia que viria a cantar. Voltou aos tempos antigos com as canções do primeiro disco, Let Yourself In, lançado em 2008, como Nothing But a Song, Scared e It’s Not Time, cantadas em coro pela plateia. Ao falar sobre Ducks In a Pound, revelou a história por trás da capa do novo trabalho. Entoou ainda a canção que fez para o amigo e baixista Leo, Even (Song To A Friend), tomou o palco sozinho para os covers de Imagine, de John Lennon e Morena, do grupo Los Hermanos, voltou para o bis com uma das mais esperadas, My Girl, e encerrou ao som da deliciosa batida de Fine.

Dono de um timbre de voz especial e de um talento magistral com o violão, Tiago surpreende com o uso do overlayer, uma espécia de efeito de gravação de faixas de áudio, com o microfone controlado pelos pedais, que compõem um arranjo ao vivo e complementam a música. Ao final das quase 20 canções, ele já carregava o público nas mãos. Mostrou que seu talento ao vivo é muito maior do que o que já conhecíamos, em estúdio. Visivelmente, ele não carrega rótulos. Não se importa em não seguir um estilo, pois mistura o pop, o folk e uma pitada de clássico e de rock. No palco, se entrega à música. E esta o recebe com os braços abertos, para um carinhoso abraço.


Após o show, o cantor atendeu os fãs no hall do teatro e conversou comigo. A voz serena, o sorriso fácil e o jeito que se confunde entre timidez e seriedade, evidenciam sua personalidade. Com 26 anos, Tiago coleciona experiências – e residências: “Nasci em Brasília, mas morei aqui no Rio Grande do Sul, em Passo Fundo, em Curitiba e também nos Estados Unidos e na Inglaterra. Com o lançamento do meu primeiro disco, vivi um tempo em São Paulo, outro no Rio de Janeiro”, comenta, sem esconder a alegria de poder viver de sua maior paixão: a música.

 O lançamento do segundo álbum, no final de 2011, deu a Tiago a satisfação de poder compartilhar suas mais íntimas sensações. “Todas as músicas desse cd eu compus em um momento bem importante da minha vida, onde eu estava um pouco perdido entre o artista e o cara que tem que lidar com as relações, sabe? Elas falam de amor, de amizade, autoconhecimento. É um cd bem intimista, que fala muito sobre quem eu sou hoje”, diz.

É simples defini-lo: um jovem com um talento inegável e vontade de fazer muito mais. Sem se prender no que vem pela frente, Tiago diz que não faz muitos planos. “As coisas acontecem, a gente idealizando ou não”. No que depender dele – e de nós, fãs – esse é só o começo de uma história que ainda tem muitos capítulos para preencher. Para entender sua música, é preciso estar com a mente e o coração abertos. Esse brasileiro que canta em inglês está no caminho dos grandes mestres da música mundial. Ouça, conecte-se e você vai entender. Afinal, sentimentos são universais e ultrapassam as barreiras de qualquer desconhecimento de um idioma.

Ah, e ele ainda deixou um recado: “Parabéns pela iniciativa do blog, continuem em frente. A internet é hoje a grande porta dos novos talentos. Sucesso!”.

Valeu, Tiago. A gente deseja o mesmo. Sempre.

domingo, 20 de maio de 2012

Não canse quem te quer bem


Foi durante o programa Saia Justa que a atriz Camila Morgado, discutindo sobre a chatice dos outros (e a nossa própria), lançou a frase: "Não canse quem te quer bem". Diz ela que ouviu isso em algum lugar, mas enquanto não consegue lembrar a fonte, dou a ela a posse provisória desse achado. 

Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob controle nosso ímpeto de apoquentar! Mas, não... Uns mais, outros menos, todos passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujos protagonistas ninguém ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar contando longos causos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica. 

Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias. 

Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você solicitou – escolha uma pizza e fim. Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída. Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo para ela posar para 297 fotos no fim de semana em Gramado. Todo mundo já sabe como é Gramado. Tirem duas, como lembrança, e aproveitem o resto do tempo. 

Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra quem vai ficar constrangido em negar. Não exija uma dedicatória especial só porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias. Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que também aparecem na foto. 

Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das visitas. Por amor a eles e pelas visitas. Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se temos uma amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, guri?” será a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar. 

Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado. Prive-o desse infortúnio. Ele não tem culpa de gostar de você.


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Como terminam as relações - e os sentimentos

Filme: Os Descendentes
Nota: 8

Assim que o trailer foi divulgado, todo mundo só falava no potencial vencedor de muitos Oscars. Com direção do incrível Alexander Payne, Os Descendentes prometia uma visão geral, com tons filosóficos, sobre relacionamentos, família e traição. Mas, decepcionou.

Um inspirado George Clooney dá vida à Matt King, um marido indiferente e pai de duas meninas, que é forçado a re-examinar seu passado e abraçar seu futuro depois que sua esposa sofre um acidente de barco em Waikiki, no Hawaii. O trágico acontecimento acaba por aproximar Matt das filhas, a amável Scottie (Amara Miller) e a temperamental Alexandra (Shailene Woodley), que o ajudam na difícil decisão de vender um terreno herdado da família.


Mas, como o personagem fala no início do filme, "não se deixe enganar pelas aparências". Vale também a máxima de que "nada é tão ruim que não possa piorar". A traição da mulher o leva a caminhos tortuosos, ao descobrir segredos sobre o amante que o envolvem em uma série de problemas.

Apesar de toda pompa, o filme não cumpre o que promete. E é triste, extremamente triste. Quando sai da sala de exibição, naquele dia, fiquei arrasado. A história toca em alguns pontos cruciais e que já passaram pela cabeça de qualquer um, como o dilema de ter que se despedir das pessoas importantes de nossas vidas, que por vezes são tiradas de nosso convívio abruptamente.

A cena em que George aparece correndo de chinelo pelas ruas da sua vizinhança é a antítese da corrida tecnicamente perfeita de um Tom Cruise, e as lágrimas que ele derrama ao dizer adeus a sua mulher por si só já valeriam uma indicação à estatueta dourada. O ator levou o Globo de Ouro 2012, na categoria Melhor Ator de Drama, mas passou longe do cobiçado Oscar.

Os destaques ficam por conta da atuação de Nick Krause, como Sid, o namoradinho da filha mais velha de Matt, e da trilha sonora, que casa perfeitamente com as oscilações na vida do herói da história. Com um enredo um tanto quanto arrastado, humor e tristeza se alternam sem ao menos dar tempo para o espectador assimilar o que acabou de acontecer.

Contudo, o filme arrebatou a estatueta na categoria Melhor Roteiro Adaptado. Com uma fotografia peculiar, onde luzes e sombras se alternam como os sentimentos dos protagonistas, Os Descendentes é um filme razoável, que vale para uma daquelas noites de sábado, sem nada para fazer. Uma pena, pois poderia ser muito mais.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Why don't you come on over?

50 manias típicas de jornalistas

Do blog Desilusões Perdidas

1. Mania de guardar recorte de matéria pra nunca mais ler.
2. Mania de reclamar demais.
3. Mania de passar a madrugada na internet, mesmo depois de um dia intenso de trabalho.
4. Mania de tomar remédio pra dormir.
5. Mania de achar que sabe tudo.

6. Mania de ter opinião sobre tudo.
7. Mania de se sentir perseguido por todos.
8. Mania de querer salvar o mundo.
9. Mania de liberdade.
10. Mania de acreditar que um dia a coisa melhora.

11. Mania de recorrer a velhos clichês na hora de escrever uma matéria.
12. Mania de ajeitar o cabelo um milhão de vezes antes do link.
13. Mania de dar carteirada.
14. Mania de comer e escrever um texto ao mesmo tempo.
15. Mania de deixar o teclado todo cheio de gordura e resto de comida.

16. Mania de querer tudo pra ontem.
17. Mania de fingir riqueza pros vizinhos.
18. Mania de ter um blog.
19. Mania de chegar atrasado às pautas.
20. Mania de tomar café.

21. Mania de escrever um texto enorme e depois ficar cortando pra caber.
22. Mania de ir pra rua e ficar olhando pra tudo e todos, feito cachorro que vive preso em apartamento.
23. Mania de ler 50 vezes o próprio nome estampado na primeira página do jornal.
24. Mania de falar mal dos outros, principalmente de outros jornalistas.
25. Mania de declarar guerra aos assessores de imprensa.

26. Mania de achar que tudo pode render, pelo menos, uma nota.
27. Mania de ficar feliz com qualquer presentinho, feito cachorro carente.
28. Mania de rabiscar umas três frases por página do bloquinho e já pular pra outra.
29. Mania de encher o saco dos amigos na caça de bons personagens.
30. Mania de encher o texto de aspas.

31. Mania de ser DJ nas horas vagas.
32. Mania de ser poeta nas horas vagas.
33. Mania de ser esquisito.
34. Mania de namorar outros jornalistas.
35. Mania de roubar a pauta dos outros.

36. Mania de “produzir” fotos, de orientar personagem, de acabar com a naturalidade.
37. Mania de ser saudosista.
38. Mania de requentar informação.
39. Mania de fazer pergunta óbvia.
40. Mania de se fingir de morto na reunião de pauta pra não pegar roubada do chefe.

41. Mania de pisar no pé do colega na luta pra chegar mais perto do entrevistado.
42. Mania de achar que vai conseguir furos fuçando no Twitter.
43. Mania de desorganização.
44. Mania de parecer envergonhado na hora de tietar entrevistado famoso.
45. Mania de esconder o time de coração quando se é jornalista esportivo.

46. Mania de se sentir mais importante só porque trabalha num jornal grande.
47. Mania de se sentir menos importante só porque trabalha num jornal pequeno.
48. Mania de ir ao bar e passar 76,7% do tempo falando só de jornalismo.
49. Mania de ir ao bar e passar 23,3% do tempo discutindo quem é e quem não é gay na redação.
50. Mania de dizer que não tem manias.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Stronger.



"O que não te mata... te deixa mais forte".

O jornalismo cultural perde um de seus mestres


Todo escritor tem um gênero caixa-preta, que não abre em vida. A poesia foi o esconderijo estilístico de Guimarães Rosa, de Clarice Lispector, de Lúcio Cardoso. E de Daniel Piza, uma perda irreparável para a literatura e o jornalismo, falecido aos 41 anos, na virada de 2012.

Piza mostrou as garras afiadas de ensaísta, contista, ficcionista. No fundo, era um poeta bissexto. Secretamente devaneava versos. Há um livro de sonetos inéditos na gaveta - pode procurar em seu valioso espólio. Sua alma fora armada para capturar voos extravagantes e raros. A acidez defendia a delicadeza. A ironia protegia a inocência.

Possuía a vocação ao verso curto, à máxima densa e acachapante. Flâneur do desespero, conde do humor, escrevia com agudeza insuportável.

- Quem fala ‘no meu tempo’ o tempo inteiro já não tem muito tempo - provocava.

Sua independência vinha em primeiro lugar, soberana. Não poupava colegas, não escapava dos debates frontais. A resposta não representava um direito, e sim um dever. Como um verdadeiro intelectual, contava com poucos amigos, mal enchia um café. Já seus inimigos renderiam procissões e comícios. Até porque a inveja é uma admiração platônica.

Piza foi tão amado quanto odiado. Não conheceu a indiferença.

Não gerava suspiros, mas arroubos. Combatia a falsa ingenuidade, prima do ressentimento. Cavava espaço para diferenças sutis. Advogava a moral (preceitos do caráter) contra moralismo (preconceito), por exemplo.

"Aforismos sem juízo", seção do Estado de São Paulo e reunida em livro pela Bertrand Brasil, é uma coleção impecável de ataques líricos. A graça que dói e garante a grande literatura, lastro de Paulo Francis, Mário Quintana, Otto Lara Resende.

A seleta apavora a etiqueta com inversões. Destrói argumentos com contrapontos. Dizima bocejos com torpedos. Da mesma forma em que Nicanor Parra criou a antipoesia no Chile para conter a hemorragia palavrosa de Neruda, Piza cunhou o antiprovérbio para frear o proselitismo acadêmico. Salvou o jornalismo da tese universitária.

Seus lemas: muito do pouco, clareza agressiva e intensidade do exato. Caracteriza o aforismo como breve, definitivo, pessoal, surpreendente e filosófico. A boa frase começaria de uma ideia comum e morreria com estremecimento de estrela, clarão desconcertante e imprevisível.

- Nada mais crédulo do que não acreditar em nada - advertia.

Piza foi nosso Karl Kraus, nosso Chamfort, nosso La Rochefoucauld. A chance de duvidar das aparências e também das certezas. Desconfiava da meia-verdade, desejava encontrar a verdade e meia.

Não informava, deformava a notícia pronta para que enxergássemos o pensamento sem censura e amarras. Transpirava coragem. Empreendeu a biografia de Machado de Assis (Imprensa Oficial) - rapel da língua portuguesa, tarefa para sepultar reputações. Nunca se alcovitou na preguiça, não recorreu a nenhum dos romances ou contos do Bruxo do Cosme Velho como molde narrativo.

Humildade é elegância. Não apareceu mais machadiano do que Machado. Derrubou a tese de que Machado mudou de repente ao escrever “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881). Ele não mudou, cresceu de modo coerente e progressivo. Piza revirou jornais, detalhes, miudezas, documentos para reconstituir os 69 anos da vida do maior escritor brasileiro. Furtou a casa de Machado enquanto ele vivia, revelando a evolução estilística do autor na intensa produção de crônicas em jornais e em peças de teatro, descrevendo com cuidado atento (nunca bajulação) a sobrevivência social em ambiente hostil.

Machado disse sobre sua mulher Carolina: “Não acharia ninguém que melhor me ajudasse a morrer”.

A literatura de Daniel Piza ajudará o leitor a viver sem ele. Mas será muito difícil. E completamente injusto.

(Publicado em O Estado de São Paulo - Memória - "A polêmica como ofício: homenagem a Daniel Piza")

A diferença entre um âncora e um leitor de notícias


Crítica publicada no blog do jornalista Maurício Stycer

A figura do “âncora” de telejornal é motivo de alguma confusão no Brasil. Qual é exatamente o seu papel? Neila Medeiros apresenta o jornal “SBT Brasília”.  Um exemplo do tipo de intervenção que um âncora pode fazer foi visto recentemente e se transformou em hit na internet.  Ocorreu após o noticiário que ela apresenta exibir o típico blablablá de um homem público diante do microfone.

Pressionado por uma repórter do SBT, o secretário de Obras de Luiziânia se enrolou todo ao explicar o fiasco nas obras de prevenção a enchentes da cidade. “Criticar é fácil, agora fazer as coisas no período de chuvas é difícil”, ele disse. Um dos culpados, acrescentou o secretário, é a imprensa. “Ao invés de ajudar, ela não deixa a gente trabalhar. Eu tô desde ontem só no telefone e dando entrevista (…) e isso aí atrapalha o serviço da gente”.

Ao fim do VT, Neila não consegue esconder sua revolta e desabafa ao vivo: “Gente, me desculpa, mas dizer que a imprensa atrapalha? Esse buraco onde caiu o caminhão, que vocês viram na matéria, foi anunciado por nós. (…) Não fizeram por culpa da imprensa? Como assim?” E disse ainda: “Por que não fez na época da estiagem? Já ouviu falar em prevenção?



Para quem só vê os noticiários da Rede Globo, a intervenção da âncora do “SBT Brasília” chega a ser chocante. Orientados a parecer mais “humanos”, os principais apresentadores da emissora carioca estão tentando fugir do figurino engessado de outros tempos, mas as suas intervenções são de outro tipo. Eles têm chamado mais atenção pelas gracinhas que protagonizam do que por suas opiniões.

Chico Pinheiro, fã de samba e futebol, assumiu o lugar de Renato Machado, especialista em vinhos, no comando “Bom Dia Brasil”, e passou o final do ano lamentando o desempenho das equipes mineiras no Brasileirão. Cesar Tralli, agora no comando do “SP TV”, foi ao camarim de Zezé di Camargo e Luciano falar sobre as botas novas dos cantores e chamou o mais novo de “Lu”.


Sandra Annemberg, no “Hoje”, transformou uma gafe (“Que deselegante!”) em bordão. Seu companheiro, Evaristo Costa, fez sucesso com uma piada de criança (“gosta de mamão, Sandra?)”. Já William Bonner e sua companheira de bancada, primeiro Fátima Bernardes, depois Patrícia Poeta, se especializaram em ler notícias trocando olhares.



Diferentemente da âncora do SBT, todos estes jornalistas dão a impressão de não ter o direito de dizer o que pensam enquanto apresentam seus telejornais. São chamados de “âncoras”, mas na prática são simpáticos e, agora, divertidos leitores de notícias.

Bonner, Sandra, Evaristo & Cia podem fazer gracinhas ao vivo, mas evitam (ou são impedidos de) opinar, elogiar, manifestar indignação com o noticiário ou se posicionar diante de fatos que merecem mais do que um relato básico. Faz muita diferença, como você pôde ver, na intervenção da âncora do SBT. É só um buraco de rua e um secretário sem noção, mas faz toda a diferença:

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

De tudo um pouco

Pra você, eu desejo de tudo um pouco...

Coragem - para colocar a timidez de lado e poder realizar o que tem vontade.
Solidariedade - para não ficar neutro diante do sofrimento da humanidade.
Bondade - para não desviar os olhos de quem te pede uma ajuda.

Tranquilidade - para quando chegar ao fim do dia,  poder deitar e dormir o sono dos anjos.
Alegria - para você distribuí-la, colocando um sorriso no rosto de alguém.
Humildade - para você reconhecer aquilo que você não é.

Amor próprio - para você perceber suas qualidades e gostar do que vê por dentro.
Sensibilidade - para não ficar indiferente diante das belezas da vida. 
Fé - para te guiar, te sustentar e te manter de pé.

Sinceridade - para você ser verdadeiro, gostar de você mesmo e viver melhor.
Felicidade - para você descobri-la dentro de você e doá-la a quem precisar.
Amizade - para você descobrir que, quem tem um amigo, tem um tesouro.

Esperança - para fazer você acreditar na vida e se sentir uma eterna criança.
Sabedoria - para entender que tudo o que você desejar existe, e o resto é ilusão...

O cliche anti-BBB

Texto de Matheus Pichonelli, na Carta Capital.


Como no Big Brother, existe uma maneira muito simples de a gente parecer mais interessante do que de fato é diante de uma multidão. Basta criar uma conta no Facebook e manifestar desprezo por qualquer coisa que seja popular. Como o Big Brother ou o Orkut.

Em janeiro, quando as inserções do Pedro Bial passam a ser mais frequentes na tevê, o movimento de pudores eletrônicos ganha um tom de campanha política. Depois que inventaram as correntes de Facebook (espécie de tevê a cores a substituir o pré-histórico jogo da velha que indicava uma hashtag), ficou muito fácil manifestar nossos bons gostos e engajamentos pela internet.


Basta compartilhar as fotos com as inscrições “Odeio BBB”, “Fora Pedro Bial”, “Meu sofá da sala não é privada”, “Morte ao Paredão”. Pega muito bem.


Se houvesse um guia prático do internauta moderno (sim, porque existem os internautas da velha guarda, uns que se deixarem mandam até a íntegra da missa aos domingos), a ojeriza aos reality shows seria a regra número 1.


Mas não só.


Para parecer um cara muito legal na internet e na vida, é preciso também:


- Bater no Michel Teló. Sem dó. Como se ele fosse o Sarney. Todo mundo vai pensar que você morre de saudade dos tempos do sertanejão de raiz, ainda que o mais perto que você tenha chegado de um boi foi naquela visita ao Pet Zoo;


- Tenha sempre em seu mural algum auto-retrato pintado da Frida Khalo (serve uma foto em preto e branco) e desenhos estilizados do Tarantino, do Almodóvar, do Che Guevara e daqueles quatro meninos de Liverpool atravessando a zebra de pedestres em Abbey Road. Não é preciso esclarecer a conexão entre eles;

- Faça um minuto a minuto sobre a sua ansiedade pelo próximo show dos Strokes ou do Arcade Fire no Brasil. De preferência, sem pontos de exclamação nos posts, para não ser confundido (a) com fã de pagode;

- Inicie também em sua página a contagem regressiva para a Feira Literária Internacional de Paraty. Pode começar em qualquer época do ano: “Faltam 291 dias para Flip”;


- De vez em quando, diga como anda sua vida acadêmica e comemore em letras garrafais quando chegar a formatura. Não se esqueça de dizer que A-M-A a profissão escolhida. No Facebook não existe gente frustada no campo profissional;


- Conte sempre coisas fofas vividas em ambiente familiar, ainda que te digam que o que se vive entre quatro paredes deva ficar entre quatro paredes;


-Vai a Paris, Roma, Viena ou Nova York? Avise todo mundo pedindo dicas de lugares para os amigos. Chegando lá, não espere a volta para postar impressões e fotos, ainda que você passe 90% do seu tempo livre na sala de internet do hotel;


- Não importa que o Parque Nacional do Xingu fique em Mato Grosso: seja sempre contra qualquer intervenção humana no Pará. Se não colar, lembre também que o País da corrupção não está pronto para receber eventos do porte de uma Copa, uma Olimpíada, um Cirque du Soleil;


- Lista de artistas brasileiros que DEVEM constar das suas preferências musicais: João Gilberto (aquele do “vai, minha tristeeeeeza…”), Chico Buarque (“estava à toa na vida, o meu amor me chamou”), Cartola (ver também: Mangueira. É um morro, além de escola de samba), Noel (o daquela caricatura com nariz grande, cigarro meio desprendido na boca…), Pixinguinha (o moço das bochechas). Engenheiros do Hawaii e Roupa Nova, que te levaram às lágrimas depois daquele fora no colegial, NEM PENSAR. Mantenha certa distância também de Raul Seixas (tiozão demais, coisa de hippie doido);


- Tome duas doses de Clarice Lispector todos os dias. Adicione, de vez em quando, aquele poema da Fidelidade do Vinícius de Moraes (“de tudo ao meu amor serei atento antes…”) e algum pensamento do dia escrito por Mário Quintana ou Caio Fernando Abreu (se não tiver nenhum livro deles em casa, jogue no Google alguma letra sobre despedidas cantada pelo Alexandre Pires. Se não citar a autoria, todo mundo vai achar o máximo). Se estiver de bom humor, use qualquer frase atribuída ao Luís Fernando Veríssimo. Em dias de mau humor, use Arnaldo Jabor (o cineasta e o comentarista são as mesmas pessoas, mas não parece);


- Faça print screen de erros gramaticais alheios e compartilhe, em tom de lamento, o que você considera um erro grosseiro. De quando em quando, solte um: “Maldita inclusão digital”. É tiro e queda;


- Quando algum autor de renome for dar aquela palestra marota no Sesc perto de casa, marque dois ou três amigos em seu mural e provoque alarde para todo mundo saber: “Vamos, né????”. Não esqueça de postar o link relacionado;


- Curta a página de qualquer bar com mais de cinco anos de fundação no entorno da rua Augusta; dê preferência ao Ibotirama;


- Use e abuse de qualquer onda retrô. Está sempre em moda;


- Compartilhe diariamente sua indignação com a política nacional. Lembre todos os dias que o governo não presta e que Brasília seria muito melhor se, no lugar do Congresso, funcionasse um estacionamento. É de bom tom ignorar que os governos totalitários do século XX também transformaram seus Legislativos em estacionamento;


- Não conte, nem sob tortura, que você adora passar no Mcdonalds depois do rolé pelo Espaço Unibanco;


- Deixe sempre claro que você é habitué de lugares incríveis, como as praias de Trindade-Paraty ou o sofá do Outback;


- Compartilhe qualquer reportagem relacionada ao D.O.M, o mais premiado restaurante brasileiro lá fora, e expresse sua intimidade com o nome de Alex Atala.


Feito isso, você espantará qualquer fantasma da breguice e do lugar-comum que contamina este país que a gente gosta de chamar de atrasado. 
Ninguém vai dar a mínima, mas o importante é ficar bem com a gente mesmo. Ou viver cada minuto como se fosse o último. E dormir com a consciência tranquila. Ou qualquer outro clichê que sirva.