"É provável que nossa época seja lembrada como a que buscou perfeição em quase todos os campos da atividade humana. Há um esforço extremado para se conseguir a excelência, esquecendo que precisamos conviver com a falha, a fissura, o incompleto. A consequência natural dessa atitude é a frustração, pois, em termos concretos, quse nunca alcançamos o limite estipulado em nossa mente.
Tenho visto relacionamentos saudáveis se desmachando só porque, num dado momento, numa circunstância específica, uma das pessoas envolvidas não conseguiu atingir as expectativas sonhadas pelo outro. Diante da primeira decepção, passou a aser imperativa a necessidade de romper a partir para a próxima. Conselheiros profissionais de última hora invadem as colunas de jornais e revistas para nos dizer que só os fracos persistem em algo quando vislumbram sinais de desgaste. É preciso seguir em frente, sempre em frente. Considero essa decisão precipitada, quase infantil.
Alinho-me mais à ideia de que é necessário continuar investindo nas pessoas, no trabalho, nos prazeres, à revelia de alguns sentimentos de desconforto que possam surgir. O que estamos querendo, uma reedição do paraíso, aqui e agora? Só a possibilidade de se debruçar mais longamente sobre o que nos pertence, seja na esfera emocional, seja na profissional, faz com que um projeto de vida mais maduro se torne possível. Difícil se conformar com a premissa de que o absoluto pertence aos deuses, não aos homens. Negando isso, só nos resta o consolo de ir experimetando aleatoriamente, sem nos fixar em nada.
TEm me incomodado, ultimamente, a constatação de que estamos investindo cada vez menos no duradouro, naquilo que aspira ao eterno, mesmo sendo provisório. Pobre daquele que não idealiza ser o primeiro, o que se destaca, o merecedor de que os holofotes incidam sobre ele. A verdade é que não há lugar para tantos gênios no mundo. Gênios da computação, do amor, da amizade, da medicina. Quase todos, quando nos esforçamos, acabamos ficando na média. Nem num extremo, nem no outro. E muitas vezes nos surpreendemos cansados, querendo repouso, longe do esforço exigido para alcançar tanto superávit na esfera das relações.
Vemos surgir cada vez mais na mídia especialistas, homens e mulheres que derramam sobre nós conselhos simplórios e oportunistas, quando não irreais. Você pode, você precisa ser tudo, nos dizem a cada aparição. Coitados de nós, tão distantes desse ideal. O resultado dessa dissonância? Um sentimento de total inadequação com o que nos cerca. A vontade renovada de imitar os vencedores. Tão poucos, esses, que tantas vezes vivem subterraneamente um sem número de tristezas por ter de vender essa fisionomia feliz, contente, longe da realidade nossa de cada dia.
Interessam-me particularmente os enredos que não estão destinados a se tornar obras-primas. Gosto de quem se parece com essas brochuras que encontramos nos sebos, manchadas, gastas pelo uso - prenhes de humanidade, no entanto. Não me sinto mais seduzido pelo novo, pelo impecável. Isso já não faz parte do meu repertório. Quero reconhecer-me também no erro, nas tentativas que muitas vezes ficaram aquém do que eu pretendia.
Não faço aqui a apologia do fracasso. Pretendo apenas tirar das costas o peso de um compromisso quase sempre impossível de cumprir. Flertar com a modéstia pode ser um bom exercício para descobrir o grau absurdo de exigências que recaem cada vez mais sobre nós. Não sonhar sempre com o pódio nos relaxa e faz descobrir a grandeza das vidas comuns. A minha e a sua."