Alguém acreditaria que a Sandy é a garota ideal para fazer publicidade da Cerveja Devassa? Claro que não. Com a sua ficha corrida de garota vestal, comportada, de família tradicional e mensageira do politicamente correto, publicitário nenhum, em sã consciência, indicaria Sandy para ser a musa de uma cerveja que carrega imagem de libertinagem, devassidão e lascívia. Com este conceito a agência posiciona o produto no mercado, e eles sabem o que fazem. Se vamos seguir uma linha de comunicação que transgride, e o nosso público aceita, vamos em frente com tudo. Calvin Klein e Benetton fazem isso há tempos.
Então, por que ela foi escolhida? Não é um contrassenso? É aí que entra a malícia dos comunicadores, a de criar fatos para fazer campanha da campanha. Isto é, promover o disse-que-disse da peça publicitária para gerar mídia espontânea, enfim, facilitar o boca-a-boca. As mídias sociais têm carência e se alimentam destes tipos de assuntos. Carecem de fatos inusitados e inverossímeis para ter o que falar. Se o Mike Tyson não mordesse a orelha do Holyfield ele não seria Mike Tyson. Se o Romário não fosse jogar pelada na praia na hora do expediente ele não seria o Romário. É assim que as coisas no mundo da comunicação de massa funcionam. Não importa o fato, mas sim a versão do fato.
Voltando ao caso Sandy/Devassa, foi justamente a possibilidade da implausibilidade que atraiu a atenção de todos. Ela não combina com a bebida, pois não existe pertinência natural entre a modelo e o produto, uma não tem nada a ver com a outra. E foi este não “acreditar que na vida real as pessoas não agem desse jeito” é que faz a história ficar divertida. Pessoas normais esperam que as modelos apresentadas nas TVs se comportem como elas.
Mas onde está o truque? Escolher a Sandy, pagar um milhão de reais de cachê (valor divulgado) e depois fazer espuma para que as pessoas falassem do assunto, este é o truque. Se o anunciante gastou milhões em cachê, produção e mídia, o que parece um valor alto e ação incongruente para muitos, para a agência e o anunciante foi barato, se comparado com o valor não pago nas dezenas de citações em mídia espontânea. O assunto foi motivo de matérias em jornais de grande circulação, em TVs e rádios de todo o país e mereceu comentários de centenas de colunistas, comentaristas e blogueiros. Todo mundo falou da Sandy, o anjo caído.
Foi inteligente a linha da comercial ao abordar com ironia e bom humor o assunto da menina boazinha que tem o seu lado devasso. Imediatamente surgiram milhares de acessos à internet para verem o filme e no twitter começaram a circular piadinhas do tipo: “A Sandy é tão devassa que agita o Toddynho antes de beber” ou “A Sandy é tão devassa que mata barata com salto agulha e diz ‘hasta la vista, baby’”. Soma-se a isso as proximidades do carnaval que renderam outro tanto de mídia grátis com a presença da cantora no camarote da Devassa. Até ameaçar, via imprensa, que ela não iria assistir ao desfile, ela fez.
A técnica não é nova, já foi utilizada com eficiência, dezena de vezes, pelo Washington Olivetto e por Nizan Guanaes, hábeis criadores de histórias sobre si próprios e para seus anunciantes. Na década de 50 o escritor e publicitário, Hernani Donato, salvou um amigo, empresário da área de distribuição de filmes, de um grande prejuízo. Ele havia alugado um filme “quase pornô” para seus cinemas e não estava tendo a bilheteria esperada. O publicitário não teve duvidas, ligou indignado para a Liga das Senhoras Católicas e reclamou que era uma pouca vergonha deixarem passar um filme daqueles em São Paulo. As defensoras da moral pública foram reclamar nos jornais e os cinemas fizeram bilheterias por várias semanas. Todos queriam ver o filme proibido.
Sandy deve estar rindo do barulho que provocou e da vultosa soma que entrou na sua conta, afinal “Meninas Boazinhas Vão para o Céu, as Más Vão à Luta” – deve ser o seu novo livro de cabeceira.
(Texto original de Eloi Zanetti - Modificado por JZ)